31.1.11

Dona Florinda - mais uma breve história


Em casa da Dona Florinda não havia nada aberto.
Claro que a porta da rua estava sempre fechada. E a sete chaves. Até aqui tudo certo.
Mas fechadas também estavam a porta da despensa, a porta do quarto de arrumações, a porta do quarto da Dona Florinda, a porta da casa de banho, a porta da cozinha, a porta da salinha, a porta do salão.
A Dona Florinda andava sempre com um molho de chaves à cinta. Por cada porta que fechava, por cada volta que dava a uma fechadura, a Dona Florinda dizia ?Trru, está fechada!" Muito contente.
A gente nem percebia qual o motivo de tanto cuidado. Seria que a Dona Florinda não queria deixar entrar o ar lá em casa? Seria que a Dona Florinda não queria deixar sair o ar lá de casa? Ou seria que a Dona Florinda tinha medo que o ar lá de casa apanhasse correntes de ar?
Vivia sozinha a Dona Florinda. Com aquele feitio de tudo fechar, de tudo guardar bem fechado, a Dona Florinda claro que não podia viver acompanhada.
Para as gavetas tinha outro molho com todas as chavinhas. E por cada gaveta fechada a Dona Florinda também dizia: ?Trru, está fechada!"
Mas onde é que a Dona Florinda guardava as chaves, quando à noite se deitava? Guardava numa caixinha, que fechava e metia dentro de uma caixa, que fechava e metia dentro de uma gaveta, que fechava e... ?Trru, está fechada!", mais nada. As três chaves, a da gaveta, a da caixa e a da caixinha, pendurava-as num fio que usava sempre ao pescoço, quer de dia quer de noite. Coitada!
Um dia, como se está mesmo a ver, o fio partiu-se e a Dona Florinda perdeu as chaves. Sumiram-se as três chaves que abriam a gaveta, a caixa e a caixinha, a tal caixinha onde estavam guardadas todas as outras chaves. Que fazer? E tudo fechado...
Sim, que fazer? Arrombar a gaveta, rebentar a caixa, partir a caixinha e recuperar as outras chaves. Depois abrir as portas, as gavetas, os armários, de par em par. Isto faria qualquer pessoa, que não fosse a Dona Florinda.
Desesperada de procurar as três chaves, mães das outras todas, a Dona Florinda abriu a única porta que tinha à mão. A da varanda. E pôs-se a gritar:
- Estou fechada. Socorro. Estou fechada.
Vieram os bombeiros, lançaram a escada e trouxeram a Dona Florinda da varanda à rua.
E agora? Agora a Dona Florinda anda à procura de um nova casa onde morar - uma casa com novas fechaduras, novas chaves.
E a casa antiga da Dona Florinda? Essa, definitivamente, trru, está fechada.